Entenda o cinema a fundo: Parte 2

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Entender o cinema não precisa ser uma meta em primeiro plano. Ou melhor: não entender a história contada por um filme não deve ser um obstáculo para o gosto. Um filme, por si só, não tem exatamente a obrigação de contar algo de fato. Como arte, o que uma obra de cinema precisa, de algum modo, é ceder uma experiência. Ao mesmo tempo em que essa experiência pode conter uma história clássica, com início, meio e fim bem expostos, ela também pode não estar pensada com o intuito de contar algo.

Um ponto crucial no desenvolvimento de um roteiro é a sua premissa, que seria a motivação inicial da história. Aquilo que a princípio gerará todas as informações na sequência. Por outro lado, para Robert McKee, a premissa geralmente é uma questão, uma pergunta, e esta é aberta, raramente sendo qualquer espécie de afirmação completa. Sendo assim, a ferramenta mais poderosa para se descobrir qual a premissa de um filme é buscar questionar o princípio de tudo por meio de um questionamento: “O que aconteceria se…?”

O que aconteceria se um gênio da mecânica bélica fosse sequestrado por terroristas, isolado em um bunker e, tendo tudo o que precisar, obrigado a construir um supermíssil? O que aconteceria se um cavaleiro retornasse das Cruzadas e, ao encontrar seu país devastado pela Peste Negra, tivesse sua fé em Deus abalada e passasse a refletir sobre o significado da vida?


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Ambas as perguntas podem levar a muitas direções, mas, se já conhecemos os filmes, talvez fique fácil saber que a resposta da primeira terminaria no surgimento do Homem de Ferro e a da segunda seria intensificada por um jogo de xadrez contra a morte. Homem de Ferro (de Jon Favreau, 2008) e O Sétimo Selo (de Ingmar Bergman, 1957 – completo e legendado abaixo) são dois filmes com histórias claras, por mais que o segundo seja recheado de metáforas e simbolismos.

 

Há um ponto na construção de um filme que pode ser fundamental justamente para a resposta da premissa e é uma segunda pergunta: Como? Como responder à pergunta? A resposta inicial, claro, é dada já no desenvolvimento do roteiro. Ali está a criação, a base. Na sequência, do contato do texto com a direção, será construída a forma e a ideia do estilo – como está referido na Parte 1 desta série de matérias especiais. Mas é possível que a resposta definitiva à pergunta geradora seja posterior, somente dada na pós-produção.

Na montagem

Para Serguei M. Eisenstein, a edição poderia ser utilizada para ir muito além do simples contar uma história. Assim como exposto (na Parte 1) que uma direção que existe somente para traduzir o roteiro do jeito que está no texto pode não ter identidade própria e acabar como genérica, a justaposição de tomadas independentes tem poder para construir significados que, de outro modo, nem existiriam. Para Eisenstein, a junção de cenas a princípio desconexas poderia ser efetuada para manipular emoções e criar metáforas – em um sentido muito além da busca por dar ritmo ao filme.

O ritmo, por sinal, é fundamental para as emoções, estas que, para Walter Murch (autor do livro Num Piscar de Olhos e vencedor do Oscar de Melhor Montagem por O Paciente Inglês – de Anthony Minghella, 1996) devem comandar 51% dos cortes. Meio segundo a mais pode ser efetivo na mudança de sensações do espectador. Em contrapartida, Ágnes Hranitzky (codiretora e montadora do húngaro Béla Tarr em A Harmonia Werckmeister, de 2000, e em outros tantos filmes) diz que o ideal é saber quando não cortar, e é esse sentimento de fluidez que pode tornar os filmes mais humanos, por mais estranhos que possam parecer.

 

Na verdade, o pensamento de Eisenstein (voltando a ele) é, na prática, a evolução do Efeito Kuleshov. Este, por sua vez, que comentei na crítica sobre O Primeiro Homem (de Damien Chazelle, 2018), é o resultado de uma experiência realizada pelo diretor russo Lev Kuleshov na década de 1920. Para chegar ao Efeito, Kuleshov apresenta o rosto de um ator e, logo após, a imagem de um prato de sopa. Na sequência, o mesmo ator com a mesma expressão vazia antes da imagem de uma menina dentro de um caixão. Por fim, Kuleshov mostra mais uma vez o rosto do ator sem qualquer mudança de expressão e, depois, a imagem de uma bela mulher deitada em um sofá (praticamente uma Rose de Titanic – de James Cameron, 1997). A mente de quem assiste é o que constrói o significado, que insere o sentimento naquele homem. Fome, tristeza, desejo, admiração? Tudo depende das imagens, dos seus significados e da ressignificação que se dá a cada corte.

 

Eisenstein pensava a montagem como para impor expressividade, para além dos acontecimentos da história em si. Um exemplo dos mais claros talvez nem seja de sua obra máxima (O Encouraçado Potemkin, de 1925), mas do seu primeiro longa-metragem: A Greve (também de 1925 e completo para assistir abaixo). Nele, já no fim, militares caçam uma multidão de trabalhadores. Como se não bastasse a crueldade da ação por si, a perseguição é intercalada por cenas reais de um abatedouro de animais. A esse ponto, não existe qualquer relação direta dessa inserção com a história contada, mas essa alternância entre as cenas pode sugerir exatamente uma manipulação de emoções e a criação de metáforas. É a montagem agindo para enriquecer simbolicamente a obra.

 

Talvez seja preciso entender, ainda, que por mais que a montagem seja o ponto em que o filme vai se transformar exatamente no que ele será, a liberdade do trabalho na edição é refém (ou precisa ser) da ideia da direção. Como exemplos mais recentes e claros, os filmes de Christopher Nolan são bem didáticos para a compreensão do poder da montagem ou pelo menos do quanto ela pode ter um caráter técnico-artístico. Nesse sentido, Nolan é reincidente na montagem paralela (que, para Eisenstein, seria a montagem intelectual ou dialética), idealizando-a de maneira extremamente eficiente em Dunkirk (de 2017) por meio do trabalho do montador Lee Smith.

Dunkirk é como se o terceiro ato de A Origem (de 2010) se estendesse por quase duas horas. Isso porque, enquanto no filme de 2010 cada nível de sonho tem uma passagem de tempo diferenciada e a ação ocorre paralelamente em alguns destes níveis no terceiro ator, no filme de 2017 esse princípio de edição é a base de todo o filme. Quem detém o controle narrativo é a própria montagem, que une períodos diferentes em uma mesma linha: as trajetórias de uma semana, um dia e uma hora são igualadas dentro do tempo fílmico. O tempo único do cinema de Dunkirk é alcançado por meio de uma mesma linha diegética, em três parábolas temporais que se encontram perto do final de tudo.

A montagem paralela, sedimentada por D.W. Griffith, é utilizada constantemente e pode não ser a base da narrativa (como geralmente o é para Nolan), mas agir para enriquecer o que é visto. Em Infiltrado na Klan (de Spike Lee, 2018), por exemplo, ao mesmo tempo em que um grupo branco come pipoca em algazarra, estudantes negros estão reunidos do outro lado da cidade para ouvir o testemunho de Jerome Turner (Harry Belafonte), que fala do linchamento do seu melhor amigo no Texas, na época em que o filme de 1915 estava nos cinemas. A riqueza, aqui, é de caráter tanto fílmico quanto histórico e social. Lee, por meio do montador Barry Alexander Brown, não está interessado no virtuosismo técnico para contar a história, mas em construir uma relação entre a narrativa e a vida – e tudo que lhe é caro – por meio da montagem.

Som e imagem

Se a montagem é vista como um processo visual, o som passa pelo mesmo processo. A montagem de som – que é pensada desde o set de filmagem no filme Em Ritmo de Fuga (de Edgar Wright, 2017) por exemplo –, além de ser trabalhada pelo montador do filme, recebe elementos da edição de som e, por fim, passa pela mixagem que, em resumo, é o processo no qual todos os volumes dos elementos sonoros são trabalhados para que as cenas funcionem.

 

Para isso, se a edição de som adiciona elementos sonoros, cria sons e trabalha para a eficiência dos já existentes, a mixagem vai fazer exatamente o que diz: mixar, misturar. Isto é: trabalhar todos os áudios dentro das cenas do filme para que tudo soe da maneira mais próxima da ideia do diretor e para que áudio e imagem não tenham uma conjunção aditiva entre eles e se transformem em audiovisual.

Além disso, a mixagem, utilizando tudo o que fez a edição de som, poderá criar sensações de distância, partida ou chegada, como ao fazer com que o barulho de um trem seja uniforme, decrescente ou crescente; de tensão, como ao reduzir o som geral e, de repente, surgir com um barulho assustador (os famigerados jump scares); de grandeza, como quando um herói surge e a cena parece ganhar outro rumo. Batman vs Superman: A Origem da Justiça (de Zack Snyder, 2016) pode ter um exemplo (por incrível que pareça): quando o som que é resultado do poder do Apocalypse cessa e uma pequena pausa antecede a trilha sonora já icônica da super-heroína, cria-se uma entrada triunfal que só funciona tão bem (para alguns é a melhor cena do filme) pela união de imagem e som.

 

A verdade de tudo, no final das contas, é que, por mais que seja refém da direção, o nível de liberdade criativa que é dado para a equipe técnica pode transformar o resultado esperado em algo inteiramente diferente. A questão a ser respondida pode ser: até que ponto a direção pode ceder liberdade para que um montador ou os profissionais de som criem para além de recomendações preestabelecidas? E depois: se essa liberdade for total, até que ponto o filme pode ser assinado pela direção como “um filme de…”? E se quase tudo acordado partir de instruções da produção, onde a criatividade artística se constitui?

Cada núcleo, então, por mais que passe pelo processo de teoria, de aprendizado, e da prática até chegar ao público, precisa chegar como uma obra, um filme afinal. E, então, dos efeitos visuais – que funcionam muito melhor quando condizem com a experiência proposta do que quando apenas expostos para um encantamento supérfluo – aos efeitos sonoros; da premissa à montagem; da trilha sonora à finalização de cada cena… chega-se ao resultado. A arte está feita e, assim, vai aos cinemas, aos streamings, à televisão e a todas as formas possíveis de ser visto e ouvido. Nesse ponto, ele (o filme) está à mercê do nosso gosto, tão subjetivo quanto é a avaliação de uma arte. Isso após ter percorrido um caminho sem volta, que é o que veremos na terceira e última parte dessa série de matérias.

Esta matéria é a segunda de três. Mas, talvez, essa série possa ser lida sem ordem predeterminada. Depende da montagem feita pela leitura de cada um. Até a próxima então!

Leia a matéria no Canaltech.

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Fonte Sihan Felix
Data da Publicação Original: 31 May 2020 | 5:00 pm


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