Os Donos do Vento
Resumo: Forbes, a mais conceituada revista de negócios e economia do mundo.
Mario Araripe, fundador da Casa dos Ventos, e seu filho Lucas, diretor-executivo, contam a história da empresa que passou de desenvolvedora de projetos eólicos a geradora de energia para combustíveis verdes
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Forbes, a mais conceituada revista de negócios e economia do mundo.
Pense em regiões secas no semiárido nordestino, regiões onde venta muito e não chove. Lá, em 2007, era eu e o Clécio Eloy, de Troller e um GPS: a gente saía pelo Nordeste brasileiro como bandeirantes. Era uma corrida verde, de certa forma. A gente fazia muito estudo [para determinar as áreas]. Eram dados públicos de medições, informações meteorológicas – e com base nisso construíamos mapas dos locais com os melhores indícios de recurso eólico.” Palavras de Lucas Araripe, 38 anos, hoje diretor-executivo da Casa dos Ventos, empresa de DNA cearense, líder no mercado de energia renovável, com clientes gigantes em segmentos essenciais, como siderurgia, mineração, química, data center e fertilizantes – marcas da envergadura de ArcelorMittal, Vale, Braskem e Anglo American.
A Casa dos Ventos tem 1,8 GW em operação em parques eólicos; 1,3 GW em construção e outros 30 GW em desenvolvimento – um investimento de R$ 12 bilhões até 2026 em projetos de fontes eólicas e solares, um leque de atuação que resulta no maior portfólio de renováveis do Brasil. Ano passado, a empresa fez a maior compra de geradores em toda a história do segmento no mundo: foram 391 turbinas para dois novos complexos. Hoje, a Casa dos Ventos soma mais de 1,2 milhão de hectares – entre terras próprias e arrendadas – em parques de geração eólica e solar.
Em uma rica conversa de duas horas com a Forbes, Lucas lembrou das andanças sertão afora, semeando as primeiras sementes da Casa dos Ventos, na maior campanha de exploração eólica do mundo – o seu primeiro emprego, logo ao sair da graduação em administração e gestão de negócios, no Instituto Insper. “Todos os meus amigos estavam indo para Itaú, BTG, consultorias… Mas, naquele momento, tínhamos a liquidez da venda da Troller e queríamos apostar em um novo investimento.”
Entra em cena o engenheiro Odilon Camargo, ex-colega do ITA de Mario Araripe, pai de Lucas, que abriu os olhos do amigo para a importância de quem se lançaria antes a um primeiro grande levantamento de potencial eólico. Mario acreditou na dica, fundou a Casa dos Ventos e foi a campo, investindo muito na apuração rigorosa e detalhada dos confins investigados pela dupla pioneira de Troller Nordeste adentro. A agilidade foi tamanha que a empresa logo se tornaria a maior desenvolvedora de parques de geração de energia, entre projetos próprios e para terceiros.
Cearense de Crato, filho de um engenheiro de obras contra a seca, Mario Araripe, 69 anos, formado em engenharia mecânica aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), com extensão na Harvard Business School, já havia transitado em diferentes segmentos, a começar pelo têxtil. Nos anos 1980, colocou de pé a construtora Colmeia, especializada em imóveis de luxo. Retornou para o setor têxtil em 1994, com investimento na Companhia Valença Industrial e na Têxtil União. Fechou os anos 1990 comprando a Troller, fábrica de jipes fundada em 1995 pelo engenheiro Rogério Faria, em Horizonte (CE). Dez anos mais tarde, o negócio (que foi comprado por cerca de US$ 30 milhões) acabou vendido para a Ford, por US$ 300 milhões. E foi com esse caixa que ele decidiu investir em vento.
“Mario [Lucas se refere ao pai chamando-o pelo primeiro nome] tem uma habilidade que é a visão. Ele é muito bom de ter visão de um novo negócio – e tomar riscos. Tomar riscos e pensar grande. Decidimos começar medindo o vento em João Câmara, no Rio Grande do Norte. Botamos uma torre e calculamos um investimento para [produzir] 100 megas, mas a gente viu que tinha potencial para 2 mil megas. Percebemos que era um negócio imenso e tínhamos que começar rapidamente.” A seguir, os trechos das conversas com duas gerações dos Araripe (a família ocupou a 21ª posição na Lista Forbes Bilionários Brasileiros do ano passado, o primeiro nome do Nordeste, com R$ 13,9 bilhões): Mario, o fundador da Casa dos Ventos, e Lucas (Under 30 da Forbes em 2016), o atual diretor-executivo.
Forbes – Onde você nasceu e quais são as principais lembranças de infância e juventude?
Lucas Araripe – Nasci em Fortaleza. Até os 7 anos, a gente morou lá. Desde a infância, a gente teve a questão da educação como algo muito forte. A começar pelo histórico do Mario. Sempre houve a preocupação com a formação acadêmica, com o conhecimento. Depois, fomos para os Estados Unidos, onde ficamos por dois anos, para ele fazer alguns cursos de extensão em Harvard. Moramos em Weston [a mais alta renda per capita de Massachusetts], que era ao lado de Boston. Tivemos acesso a escola pública de excelência, foi uma imersão cultural e acadêmica para todo mundo.
E o senhor, Mario, na juventude sonhava em ser o quê na vida adulta?
Mario Araripe – Na época, só tinha três opções. Eu achava que podia ser médico, pois medicina era a mais nobre das profissões. Mas tinha um professor, o Pedro Paulo, que achava que eu devia ser advogado, pois tinha uma certa capacidade de verbalizar e de escrever. Mas terminei engenheiro – acredito que porque papai era engenheiro, embora nunca notei ele me induzindo na profissão. Ele era funcionário público exemplar, do departamento nacional de obras contra a seca. Ele já tinha essa coisa de sustentabilidade. A gente foi criado desse jeito.
Como descobriu que tinha aptidão para empreender?
Mario – Notei logo cedo que a minha curva de aversão ao risco era diferente da do papai. Ele não se arriscava – e eu sim. Tenho dificuldade de ser chefiado; liderado, nem tanto. Então, se resolvi não ter chefe, tinha que ser meu próprio chefe – e ir para o risco.
Lucas, na hora de escolher a faculdade, você já estava certo pela administração?
Lucas – Até pensei em engenharia automobilística. Gostava de engenharia, não para aplicá-la, mas acho que é um curso que dá fundamentos para resolver problemas com lógica e matemática. O que queria eram oportunidades para empreender. Acabei escolhendo o Insper. Meu primeiro emprego foi quando estava me formando: juntei-me às poucas pessoas que começaram a Casa dos Ventos [em 2007].
Mario, como foi a decisão de comprar a Troller?
Mario – Tenho um amigo [Rogério Faria] que montava um veículo especial em uma pequena oficina. Achei interessante, mas era uma coisa totalmente artesanal – ele não conseguia fazer um carro igual ao outro [risos]. Eu estava voltando de Boston. Quando fui para Boston, tinha vendido uma construtora para os funcionários. Com a venda, eu tinha conseguido um determinado acúmulo de riqueza que me permitia não precisar trabalhar mais para as minhas necessidades de consumo. Quando voltei ao Brasil, percebi que estava despreparado [para ficar longe da vida de empreendedor] e entrei de novo nessa coisa de gerar riqueza [risos]. Eu era amigo de Osires Silva [fundador da Embraer]. Se o Brasil podia fazer avião, podia fazer um carro também. Mas qual? Daí pensei em um jipe 4×4 que pudesse se associar com as florestas tropicais da Amazônia.
Como decidiu investir em energia eólica?
Mario – Quando eu estava na Troller, no varejo, você tinha que entender muito o que é a necessidade do consumidor. Quando vendi, decidi sair de perto do consumidor e ir para a infraestrutura. Aí, são duas opções: logística ou energia. Como já tinha experiência em construção, achei melhor ir para a energia. Então, até dei uma olhada [no setor] de pequenas centrais hidrelétricas. Mas a eólica me aparentou uma jornada muito interessante: se você pudesse entender o vento, isso poderia dar certo. Então, para conhecer e estudar os ventos, criei a Casa dos Ventos – lembro que, na hora de escolher o nome, tive dúvida, porque poderiam pensar que é uma pousada no Nordeste. Mas achei interessante seguir com o nome, tinha certa poesia.
Lucas, como foram as primeiras viagens (de Troller) para identificar as áreas de vento?
Lucas – Rodamos o Ceará, a Paraíba, o Maranhão, o Piauí, o interior da Bahia, chegamos até o norte de Minas Gerais, fazendo prospecção. Também fazíamos o levantamento das estradas para chegar, mapeamento das propriedades, descobríamos quem eram os donos, às vezes conversando com o menininho na porteira. Aí, começamos a comprar e arrendar terras. Dirigíamos centenas de quilômetros por dia, dormíamos em posto de gasolina. Pelas normas da época, o ideal era fazer a medição a cada 10 quilômetros de raio – mas nós colocávamos uma torrezinha de 100 metros a cada dois quilômetros. Precisamos de tantas torres que fizemos uma fábrica delas. Também usamos equipamentos para medição de ventos que não existiam no Brasil: um tinha um feixe de laser que via as partículas se movimentando; outro emitia uma onda de som. Outro diferencial é que não esperávamos um ano para ver o comportamento do vento para só depois arrendar a terra: instituímos um pagamento pré-operacional, tomávamos o risco para não perder as melhores áreas. Por isso, também erramos muito. Nos primeiros anos, viramos um grande desenvolvedor: empresas de peso começaram a comprar nossos projetos e nos capitalizamos. Mapeamos mais de 50 GW de potencial energético, algo como quatro [hidrelétricas] Itaipus.
Quando vocês passaram a atuar como geradora de energia?
Lucas – Em 2013, evoluímos como empresa. Construímos os nossos parques e passamos a operar. Começamos de fato a crescer como geradora. Investimos mais de R$ 5 bilhões para implantar 1,1 GW de capacidade instalada, que entrou em operação entre 2015 e 2017. Os projetos performaram muito bem e chamaram a atenção de grandes companhias e fundos de investimentos.
Foi nessa época que começaram a trabalhar também com energia solar?
Lucas – Mais ou menos em 2015, começamos a ver a energia solar como uma fonte promissora no Brasil de duas formas: solar híbrido em parques eólicos, já que na maioria deles o vento é mais forte à noite e dá para uma planta solar se conectar àquela subestação; e projetos solares isolados, stand-alone, o que nos levou a desenvolver projetos no Centro-Oeste e no Sudeste. Hoje somos a empresa com mais projetos solares no país.
Em 2018, vocês notaram o crescimento do mercado livre de energia e entraram nesse jogo…
Lucas – Sim, fomos pioneiros também no mercado livre de energia. Os leilões já não aconteciam mais com muita frequência, pois o mercado regulado de distribuidora não demandava mais tanta energia. Vimos essa oportunidade de ir atrás dos grandes consumidores do Brasil: vender energia diretamente para eles por contratos corporativos de energia renovável. Assim, assinamos nosso primeiro projeto com a Vale, um contrato de 23 anos. De 2018 para cá, nos tornamos líderes em fornecer energia renovável para grandes empresas no mercado livre. Temos um projeto de duas fases de 500 e poucos megas, o Rio do Vento, no Rio Grande do Norte, que é um dos maiores projetos eólicos do mundo. No ano passado, fechamos o maior contrato de energia renovável com consumidor da história do Brasil, com a ArcelorMittal: são 267 MW médios.
Como foi a aproximação com a TotalEnergies, que adquiriu 34% de participação da Casa dos Ventos no ano passado?
Lucas – A Total talvez seja uma empresa que tem a maior ambição de transição energética do mundo. Vale 150 bilhões de euros, é uma das oil majors comprometida em virar uma empresa multienergia. Eles estavam buscando parceiros em diferentes geografias, e nós fomos indicados pela maior fabricante de aerogeradores do mundo, para quem fizemos o pedido de 1,3 GW. Temos grande capacidade instalada em operação e em construção – são mais 30 GW de pipeline, entre eólica e solar. Assinamos em outubro de 2022. A Total vai trazer muito valor técnico a esses projetos. Continuamos com o controle da empresa, garantindo toda a agilidade, a cultura e a execução, mas ganhamos capacidade de investimento.
E qual deve ser o investimento na expansão e na diversificação do negócio até 2026?
Lucas – R$ 12 bilhões. Além dos 3,1 GW que já temos, queremos aprovar pelo menos 1 GW solar. Nossa expectativa é atingir 4,2 GW de capacidade instalada até o fim de 2025.
A Casa dos Ventos aposta em combustíveis verdes?
Lucas – Qual é nosso grande desafio hoje? A gente tem um pipeline enorme de projetos, temos um time, dinheiro e capacidade de dívida barata. Nosso grande negócio é gerar demanda. Advogar pelo Brasil no contexto da transição energética. Nós mostramos para as empresas que conseguimos reduzir emissões e reduzir o custo eletrificando, já que o Brasil tem energia renovável muito barata. Além do lado da eletrificação, há o lado do hidrogênio verde e seus derivados. O Brasil pode ser um exportador de energia na forma de amônia para outras geografias se descarbonizarem. Melhor do que isso é o Brasil se reindustrializar com base na energia renovável, nesse hidrogênio verde. Imagine o Brasil produzindo seu fertilizante verde localmente, ganhando independência geopolítica de países do Leste Europeu e da Rússia. Daqui a pouco, a gente vai conseguir produzir o hidrogênio verde, depois a amônia verde, que já é a base do fertilizante, para fazer nitrato de amônia, por exemplo, mais barato que o importado.
Qual é a ideia por trás de construir um data center no Pecém (CE)?
Mario – Nos próximos 20 anos, as duas forças que mais impactarão o comportamento humano serão a descarbonização e a inteligência artificial. O mundo vai deixar de consumir energia fóssil e passar a consumir energia renovável. O petróleo vai ser substituído pelo hidrogênio verde. Nesse contexto, o estado do Ceará está muito bem. Nós temos os melhores ventos do mundo, um sol com grande radiação, muita água, quilômetros de orla. Acredito que a gente pode ser a Arábia Saudita do hidrogênio verde. A outra força é a inteligência artificial, que também nos favorece, pois consome uma energia brutal. As big techs – Apple, Microsoft, Google e Meta – decidiram que não vão mais consumir energia fóssil, e sim renovável. Logo vão estar aqui à procura da energia do nosso vento e do nosso sol. Nós teremos a chance de implantar, no Ceará, os maiores data centers do mundo. Não podemos perder a chance de ser um dos protagonistas dessa transformação global. Se conseguirmos isso, teremos a condição de gerar um impacto de grande significância ao nosso povo.
Lucas – A ideia é desenvolver projetos de grande escala para empresas de tecnologia se instalarem aqui. A gente tem um sistema robusto interligado. Temos energia abundante, limpa e renovável. As empresas conseguem acessar energia renovável no patamar mais barato do mundo. Parte dessa demanda gigantesca da inteligência artificial deve vir para o Brasil.
Mario, o senhor considera que a transição energética do Brasil está ocorrendo de forma correta e na velocidade ideal?
Mario – Você pode analisar em termos absolutos e em termos relativos. Em termos absolutos, até que sim. Mas essa transição energética podia ser tão melhor… Já temos uma matriz que é mais de 90% renovável, mas não estão vendo que o Brasil pode ser o protagonista dessa transição global. A grande transformação vai ser o hidrogênio verde substituir o petróleo. O hidrogênio verde ainda é caro, porque a bateria usada na produção está cara. Só que o Brasil é o único país do mundo que não precisa de bateria, pois já temos um sistema interligado limpo. O país precisa viabilizar algumas coisinhas regulatórias para darmos o primeiro passo e criar um hub. Se demorar, a bateria acaba barateando, e nossa vantagem competitiva vai diminuir. Há uma frase que diz: “O Brasil não perde a oportunidade de perder a oportunidade”. Eu queria que essa não fosse mais uma.
Como a tragédia no Rio Grande do Sul reforça a necessidade de uma transição de matriz energética no Brasil e no mundo?
Lucas – Você vê com cada vez mais frequência esses desequilíbrios climáticos. E tem gente que fala que não existe aquecimento global… Mas isso são dados: históricos de aquecimento, de degelo, de ondas de calor cada vez mais comuns da Europa, nos Estados Unidos e no Brasil. Nosso papel é tentar antecipar a transição da genética, tentando formar um ambiente interessante para consumir energia elétrica renovável aqui.
Mario, ao falar sobre suas qualidades profissionais, Lucas apontou sua visão e o perfil de tomar riscos. E qual é a principal qualidade do Lucas?
Mario – Eu tenho sorte com o Lucas. Ele tem muita capacidade de aprender e de evoluir. Sua formação foi muito boa, e ele está preparado para assumir tarefas que são minhas logo, logo. Ele já tem luz própria e consegue soluções surpreendentes. Sempre digo que, aqui na Casa dos Ventos, para permanecer, tem que surpreender.
*Reportagem publicada na edição 119 da revista impressa, em maio de 2024
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